ARTIGO 1

A inserção da inelegibilidade no conceito DE quitação eleitoral: pedra no caminho do exercício da cidadania

 Por Ana Gabriela Brito Melo Rocha*

As condições de elegibilidade não se confundem com inelegibilidade. Aquelas, segundo José Jairo Gomes, são exigências ou requisitos positivos que devem, necessariamente, ser preenchidos por quem queira registrar a candidatura e receber votos validamente[1]. Por sua vez, utilizando-nos de definição do mesmo autor[2], inelegibilidade é impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo.
A diferença entre as categorias, pacífica na doutrina e jurisprudência eleitoralistas, é feita pela própria Constituição da República, que cuidou de traçar regimes distintos para ambos os institutos.
As condições de elegibilidade podem ser regulamentadas, e até mesmo criadas, por lei ordinária.
Lado outro, a Constituição estabeleceu algumas inelegibilidades e determinou que apenas lei complementar poderá instituir outros casos de inelegibilidade, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Não há previsão, na Constituição da República ou em lei complementar, de outro efeito para a inelegibilidade que não o impedimento para se pleitear cargo eletivo.
A quitação eleitoral é condição de elegibilidade criada pela legislação ordinária e pode ser exigida em várias situações além do registro de candidatura.
Importante ressaltar que inexiste qualquer menção à inelegibilidade como fator impeditivo à obtenção de quitação eleitoral na Lei 9.504/97 ou mesmo na Res. TSE  21.823/2004.
Assim, nada poderia impedir que a pessoa inelegível seja tida como quite com a Justiça Eleitoral - desde que esteja com suas obrigações eleitorais em dia.
Não obstante, a Justiça Eleitoral interpreta o conceito de quitação eleitoral de forma a abarcar a inelegibilidade.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, a pessoa inelegível em decorrência de situações desabonadoras previstas na legislação em vigor fica proibida de obter quitação eleitoral.
O eleitor não quite com a Justiça Eleitoral sofre todas as restrições previstas no Código Eleitoral para aqueles que não votam, não justificam a ausência às urnas ou não quitam a multa por ausência ao pleito. Logo, o cidadão sem quitação fica impedido de inscrever-se em concurso público; tomar posse em cargo público; receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público; participar de licitação; obter empréstimos nas sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; obter passaporte ou carteira de identidade e renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo.
Além disso, é proibida a movimentação de inscrição eleitoral de eleitor sem quitação.
Portanto, o cidadão que cumpriu pena regularmente, e não mais se encontra em situação de suspensão de direitos políticos, fica impossibilitado de fazer mera revisão de dados, para alterar, por exemplo, uma data de nascimento errada ou acrescentar o nome do cônjuge. Igualmente fica proibido de promover transferência de seu domicílio eleitoral e, até mesmo, de obter simples segunda via do seu título.
O eleitor sem quitação não pode regularizar sua inscrição, se cancelada. Assim, pode haver impossibilidade de votar e até mesmo de ingressar com ação popular.
A vedação da concessão de quitação eleitoral para os cidadãos inelegíveis pode acarretar, ainda, obstáculos para a inclusão em programas sociais que exigem apresentação do título eleitoral para cadastramento, tais como “Bolsa Família” e “Minha Casa, Minha Vida”.
Verifica-se que o fato da quitação eleitoral – que é uma condição de elegibilidade – ser exigida para a obtenção do título de eleitor, e para o exercício de outros direitos, não poderia autorizar que a inelegibilidade - instituto diverso e de regime estrito - também o seja.
Na prática, a inelegibilidade tem, por uma decisão administrativa da Justiça Eleitoral, impedido o exercício de outros direitos e ganhado uma amplitude não autorizada pela Constituição da República.
Com a vigência da Lei Ficha Limpa, que criou novas situações de inelegibilidade e aumentou os prazos para a cessação desta, crescerá consideravelmente o número de eleitores que terão, em decorrência da (infeliz) inserção da inelegibilidade no conceito de quitação eleitoral, limitação de vários direitos. Isso quando somente deveriam ser impedidos de serem candidatos.

Ana Gabriela Brito Melo Rocha* é Bacharela em Direito, pela UFMG e pós-graduada em Direito Eleitoral, pelo UNIBH.



[1] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4. Ed. rev., atual., e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 130.

[2] Idem, p. 141.